segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Quem tem medo de ideias abstratas?

O século XX foi pródigo em formas radicais do exercício do mal. Nesse sentido, os campos nazistas de extermínio representaram "apenas" o mais extremo dos experimentos. Pois foi justamente no contexto histórico pós-barbárie totalitária que foi cunhada a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). O mais irônico dessa construção ideológica é que essa tentativa de superação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), ao pretender defender o homem universal para além dos limites do Estado nacional, tenha precarizado a condição humana ao desenraizar a reivindicação dos homens do terreno da luta social e política por direitos. Por isso, o principal obstáculo para a efetivação dos abstratos Direitos Humanos consiste em sua alienação da realidade concreta da cidadania. Pois bem, esse argumento tem a função de introduzir conceitualmente o debate sobre o polêmico Programa Nacional de Direitos Humanos formulado pelo Governo Lula em Dez. de 2009. Sobre isso, o célebre jornalista Ricardo Kotscho (blog balaio do Kotscho) fez uma interessante reflexão:
"É natural que haja reação contra o governo quando apresenta um projeto polêmico que afeta os interesses de determinados setores.
Em sete anos de governo Lula, no entanto, não houve caso de tamanha unanimidade contrária como está acontecendo agora em relação ao Programa Nacional dos Direitos Humanos.
Numa só tacada, o plano solenemente anunciado ao país pelo presidente Lula, na antevéspera do Natal, conseguiu colocar na mesma trincheira as Forças Armadas, a Igreja, a Imprensa, os ruralistas e setores do próprio governo, provocando uma reação em cadeia na última semana, quando se tornaram conhecidos detalhes das 521 medidas previstas para as mais diferentes áreas da vida nacional. (...)
O que não dá para entender é qual a motivação do governo para comprar tantas brigas com cachorro grande ao mesmo tempo, justamente na abertura de um ano eleitoral, já na reta final do segundo mandato, depois de fechar 2009 navegando num mar de almirante, com o presidente Lula batendo recordes de popularidade e sua candidata, Dilma Roussef, subindo nas pesquisas. (...)
Sem entrar no mérito de cada proposta, até porque são tantas que se torna impossível analisar uma a uma no espaço de um blog, o fato é que antes mesmo de chegar ao Congresso Nacional em forma de projeto de lei, o conjunto da obra do decreto sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos, da forma como foi apresentado, até agora só trouxe sérios problemas para o governo, e deu de graça uma bandeira e um discurso que faltavam à oposição. (...)
Como era de se esperar, depois de passar os últimos meses com dificuldades para encontrar carniça, a urubuzada já se assanhou ao ganhar de graça este prato cheio para atacar o governo e o PT, com seus velhos jargões, que ressuscitaram até o stalinismo e a luta armada, mas convenientemente se esqueceram de contar a história completa e lembrar que o atual programa é apenas continuação de um trabalho iniciado no governo FHC .
Por ironia do destino, no meio do tiroteio contra o atual governo, a defesa mais veemente veio exatamente do cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, que fez parte do governo Fernando Henrique Cardoso, na área de direitos humanos, e participou da redação dos dois primeiros programas, lançados em 1996 e em 2002.
Pinheiro, que também ajudou na revisão do texto da terceira edição do Programa de Direitos Humanos, este que foi lançado agora em dezembro, disse ao Estadão:
“Não foi o presidente Lula quem inventou isso. Essa é a terceira edição do programa. Os dois primeiros tiveram a mesma abrangência do programa que está sendo debatido agora. E tanto Lula como Fernando Henrique Cardoso acertaram, porque direitos humanos não abarcam apenas direitos civis e políticos como se imagina”.
Nas duas primeiras edições do programa, porém, não há notícia de que tanta gente tenha ficado indignada e revoltada com o governo da época."

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