sexta-feira, 8 de maio de 2009

PARA ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA

Ao refletir sobre a atitude original da filosofia, Aristóteles encontrou no "espanto admirativo" a definição que buscava. Não é por acaso que a capacidade de surpreender e gerar admiração são virtudes extraordinárias. Em nossa vida cotidiana, marcada pela multiplicidade de compromissos e pela indisponibilidade de tempo e atenção, as oportunidades de experimentar o surpreendente são muito raras. Pois é justamente essa experiência proporocionada pelo filme "Entre os Muros da Escola" (Entre les Murs). A obra em questão, que teve estréia no Brasil em março de 2009 e ganhou a Palma de Ouro em Cannes (2008), não é um filme francês típico. Ou seja, não é um filme "cabeça", intelectualizado ou estiloso. Na verdade, sua narrativa é bastante convencional e simples. Resumindo: o filme, baseado no livro homônimo de François Bégaudeau (que faz a si mesmo no filme), relata a experiência de um professor em uma escola de ensino médio na periferia de Paris. Os dilemas humanos e conflitos sociais que afloram na sala de aula transcendem o registro específico da instituição escolar. Por isso o título é tão sugestivo, pois o que está em jogo é justamente essa dialética do "dentro" e "fora" (pertencimento/exclusão) que confronta o tempo todo a ideologia e o habitus do sistema escolar. Nesse sentido, a escola deve ser encarada não somente como um microcosmo da sociedade moderna. Nela os conceitos sócio-culturais, as políticas públicas e os experimentos pedagógicos tem caráter de paradigma para o conjunto da sociedade, pois problematiza seus limites e possibilidades. O caso francês é exemplar, porque a construção republicana do sistema público de ensino é um dos mais importantes feitos da Revolução Francesa. Da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) à Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o direito à educação se tornou um bem de cidadania e um bem humano universal. Contudo, a França que se auto-define como a pátria da República é também uma nação com passado colonialista. Ora, quando os ex-colonos e seus descendestes passam a habitar o teritório e a reivindicar os bens de cidadania de franceses, todo o discurso universalista e democrático é colocado à prova. A própria noção de educação pública e sua promessa de igualdade de oportunidades de ascensão social são confrontados com os mecanismos perversos e não-conscientes de REPRODUÇÃO das desigualdades sociais no âmago do sistema que deveria dirimilas. E o mais interessante é que o filme "Entre os Muros da Escola" discute esse conjunto de questões graves e urgentes (e que também dizem respeito à nossa realidade), sem fazer um único discurso ou denúncia. Realiza tal proeza sem apelar para o tom panfletário ou retórico, apenas fazendo falar a autenticidade dos atores/alunos, a espontaneidade dramática de suas vidas reais. Para aqueles que são professores e tem genuíno interesse no auto-aperfeiçoamento, o filme tem um potencial crítico radical pois coloca em foco a natureza especial e frágil da atividade de lecionar. Enfim, é "dever de casa"!

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