quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O efeito 46

A primeira eleição democrática para presidência do Brasil ocorreu em 1946, isto por que as eleições realizadas durante a República Velha (1891 – 1930) não merecem ser chamadas de democráticas em virtude da exclusão eleitoral, apenas 5% da população votava e a fraude era a regra em uma época em que as eleições eram despudoradamente manipuladas. Na era Vargas (1930 – 45), não houve nenhuma eleição direta para presidência e foi justamente a renúncia forçada de Getúlio, produto direto da nova conjuntura mundial que desmoralizava os regimes anti-liberais, que abriu caminho para a democratização do país.

O pleito de 1946 teve como marca mais contundente o enfrentamento de chefes militares: o PSD lançava o general Eurico Gaspar Dutra e a UDN concorria com o Brigadeiro Eduardo Gomes. Correndo por fora sem nenhuma chance o PCB apenas marcava posição lançando Iedo Fiúza ex-prefeito de Petrópolis. Durante a disputa a vitória udenista parecia inevitável, principalmente para quem viva nos grandes centros urbanos e lia os principais jornais. Magoado com a inércia de Dutra frente ao movimento que forçara sua renúncia Vargas se exila no sul e acompanha as eleições sem muito interesse. Graças às articulações do Deputado João Neves da Fontoura do PSD, Getúlio finalmente de posicionou diante das eleições: faltavam poucos dias para o pleito e o manifesto do ex-presidente determinou o rumo da eleição fazendo com que o material de campanha de Dutra fosse mudado adotando o slogan: “Ele disse”, uma referência ao apoio de Vargas.

Foi um dos mais espetaculares movimentos eleitorais da história do Brasil, a massa trabalhista capitaneada pelo PTB se levantou e aliada às poderosas bases estaduais pedesistas promoveram uma grande onda eleitoral que fez de Dutra o presidente mais votado da história do Brasil com 55 % dos votos. O Brigadeiro Eduardo Gomes amargava uma acachapante derrota e ficava com apenas 35%, enquanto o candidato dos comunistas obtinha 10% das preferências do eleitorado nacional.

A derrota de 1946 foi muito marcante para a história da UDN, o trauma foi reforçado pelos fracassos seguintes de 1951 e 1956, as famosas “derrotas gloriosas”, fazendo com que candidatos udenistas nunca vencessem eleições presidenciais. Neste clima surgia no partido uma desconfiança crônica em relação à capacidade da população “votar certo”, ou seja, nos candidatos da própria UDN ou por ela apoiados. Os discursos udenistas referiam – se de modo crescente a expressões como “erro do povo”, “massa ignorante”, “vítimas de demagogos”. Nada muito novo, era o velho réquiem liberal conservador que considerava um erro entregar as decisões políticas a uma massa de iletrados que eram incapazes de escolher o melhor rumo para atender suas próprias reivindicações. Como efeito direto dessas premissas o partido passava a questionar as eleições e apelava para saídas de força. Se a democracia não podia ser instrumentalizada para viabilizar seu projeto político, então se abandonava a democracia, e isto em tempos onde a maioria do povo brasileiro não votava devido a exclusão dos analfabetos.

Hoje, diante dos índices de popularidade do presidente Lula e conseqüentes chances de viabilizar a vitória de sua candidata em 2010, há setores muito influentes nos meios de comunicação de massa que reproduzem as mesmas insanidades dos udenistas derrotados. Em recente coluna no jornal Folha de São Paulo Cláudio Guimarães dos Santos se refere aos eleitores brasileiros com as seguintes expressões: “eleitores de curral”, “quase cidadãos”, “vaquinhas de presépio”. Não se trata de um caso isolado e quem acompanha a imprensa tupiniquim já leu opiniões semelhantes, os mesmos detratores se “esquecem” de considerar que o mesmo povo que consagra Lula, elege governadores, senadores, deputados e prefeitos do DEM e do PSDB. Para eles vale uma frase do pensador liberal inglês John Stuart Mill: “cada um é o único guardião seguro de seus próprios direitos e interesses”.

Um comentário:

Gustavo Carvalho disse...

Os tradicionais "donos do poder" do nosso país só apreenderam do liberalismo aquilo que reforças suas tendências mais perversas: a liberdade de pedrar o bem público e cultivar a demofobia. Para esses "iluminados" só existe democracia como ratificação de seus preconceitos e pretensões. Não aprenderam o significado básico do "valor universal" da democracia e o sentido auto-evidente da legitimidade de seus procedimentos. Lembra a típica atitude arrogante e aristocrática dos clubes de futebol antes do povo pobre, negro e mestiço se apropriar do "viril esporte bretão" para transformá-lo em arte e democracia. Um dia esses caras aprendem...
Saudações jacobinas