quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Conseguimos conquistar com braço forte

Uma boa nova que merece ser anunciada é a abertura dos arquivos de importantes veículos de comunicação que estão disponibilizando on-line suas edições. O New York Times saiu na frente e a revista Life fez o mesmo, em associação com o google permite a visualização de dez milhões de fotos e vários textos. A revista foi uma das mais influentes publicações dos EUA e chegou a vender treze milhões e meio de exemplares por semana.

Vasculhar os números da revista é uma experiência muito interessante e revela importantes aspectos da sociedade americana e do mundo no século XX. Examinando a edição de dezembro de 1936 encontrei uma fotoreportagem do Brasil com um texto que espelhava bem a visão que o mundo desenvolvido tinha do nosso país. Em meio a várias imagens do Rio de Janeiro e da floresta amazônica lê-se: “Os conquistadores portugueses não trouxeram suas esposas e casaram-se com as índias, seus descendentes se juntaram aos negros escravos. A mistura não deu certo”. “Brasileiros são pessoas encantadoras, mas são incuravelmente preguiçosos... é uma colossal falha da humanidade”.

Era assim que o mundo via o Brasil: um país bonito, exótico e até simpático, mas irremediavelmente condenado ao fracasso em virtude de seu povo mestiço. Tais concepções eram amparadas nos trabalhos de escritores como Gobineau, Le bon e Taine que procuravam mostrar uma relação entre os atributos físicos e morais fazendo da “raça” um elemento definidor do futuro das nações. Gobineau que viveu no Rio de Janeiro por quinze meses chegou a escrever: "Trata-se de uma população totalmente mulata, viciada no sangue e no espírito e assustadoramente feia”. O pior é que essa leitura do Brasil era obedientemente repetida por nossos intelectuais, figuras como Nina Rodrigues, Silvio Romero e João Batista Lacerda não se cansavam de trombetear “as mazelas da miscigenação”, os males das “misturas das raças”, adotando uma visão colonizada do país que condenava nosso futuro.

O mundo mudou muito no século XX e as doutrinas que reivindicam superioridade “racial” foram fragorosamente desmoralizadas tanto pela realidade quanto pela genética. O Brasil também é outro país e não foi por acaso que fomos escolhidos para sediar as olimpíadas. Em 1980, os jogos de Moscou reconheciam a URSS como superpotência global que liderava o bloco comunista. Em Seul era a vez de reconhecer o avanço econômico de um país que em trinta anos se reergueu da guerra e se tornou uma potência regional. Em 1992 foi a vez de celebrar a nova Espanha democrática e desenvolvida. A oportunidade da Grécia veio em 2004, um reconhecimento ao seu progresso e estabilidade. As Olimpíadas de 2008 na China homologaram o status de potência econômica do século 21.

A escolha do Rio de Janeiro simboliza o prestígio do novo Brasil que surge com o governo Lula, representa uma mudança da percepção que o mundo todo tem do país e coroa os êxitos de um governo que projeta o Brasil a uma posição inédita no cenário global. Os jornais estrangeiros foram bastante enfáticos no registro de nossa nova imagem perante o mundo: o inglês The Guardian sentenciou que o Brasil será “superpotência global”, o Financial Times reconhece a emergência do país afirmando que o Brasil é decisivo nas rodadas de negociações internacionais, o americano The Christian Science Monitor cobra nossa entrada no conselho de segurança da ONU. O Wall Street Journal lembra que a escolha cristaliza nossa ascensão política e econômica. Enfim o planeta reconhece a nova condição internacional que só pode ser entendida como decorrência das mudanças que o país atravessa e como resultado de uma política externa que não se apequena diante do mundo.

O comovente e histórico discurso do presidente Lula em Copenhague sintetizou em pouco mais de seis minutos todas estas mudanças e o novo orgulho de ser brasileiro: “Olhando para os cinco aros do símbolo olímpico vejo neles o meu país, um Brasil de homens e mulheres de todos os continentes: Americanos, europeus, africanos, asiáticos todos orgulhosos de suas origens e mais orgulhosos de se sentirem brasileiros. Não só somos um povo misturado, mas um povo que gosta muito de ser misturado. É o que faz nossa identidade, digo com toda a franqueza chegou nossa hora.”

Artigo publicado no Monitor Campista

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito boa defesa do governo. Concordo com argumento central, a visão país no mundo é realmente outra.

Antonio disse...

Excelente artigo sobre o povo brasileiro. A acrescentar somente o fato de que o antropólogo Darcy Ribeiro via com muito entusiasmo essa mistura de raças aqui no Brasil. Quanto a Time Life e escritores como Gobineau, Le bon, etc, fazem parte do passado, formaram opiniões enquanto existiram. Para os brasileiros Nina Rodrigues, Silvio Romero e João Batista Lacerda só nos resta citar o samba de Haroldo Barbosa, “Pra que discutir com madame”, que é uma sátira aos que criticam nossas raízes e cultura. Diz mais ou menos assim.
“Madame diz que a raça não melhora
Que a vida piora por causa do samba,
Madame diz o que samba tem pecado
Que o samba é coitado e devia acabar,
Madame diz que o samba tem cachaça, mistura de raça mistura de cor,
Madame diz que o samba democrata, é música barata sem nenhum valor,
Vamos acabar com o samba, madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que samba é vexame
Pra que discutir com madame...”