sábado, 17 de outubro de 2009

A "morte de deus" segundo Saramago

José Saramago é um cara raro: ele não é um escritor, ele é um intelectual. É um sujeito que não se contenta em produzir ideias e imagens para uso limitado pela fruição estética. Para além do campo literário no qual ostenta uma produção originalmente humanista e um prêmio Nobel único para língua portuguesa, Saramago nunca se abstém de posicionar no espaço público. Pois é precisamente isso que ele tem feito de modo renovado na ocasião de lançamento de sua mais recente obra: Caim. Num mundo culturalmente degradado pelo "politicamente correto" e pelo o avanço dos fundamentalismos religiosos, o autor de Ensaio sobre a Cegueira ousa divergir. Confira abaixo alguns trechos da última entrevista concedida por ele ao O Globo de hoje (17/10/09):
"- O Globo: O Caim que o senhor constrói é a voz da razão, mostrando um Deus tão tirano e incompreensível que torna qualquer crença patética. Qual sua intenção ao escrever o livro? Como pensa que regirão a ele?
- Saramago: No fundo, o problema não é um deus que não existe, mas a religião que o proclama. Denuncio as religiões, todas as religiões, por nocivas à Humanidade. São palavras duras, mas há que dizê-las. Quanto às reações, não estão na minha mão. Cada um dirá o que entender conforme as suas convicções e as suas crenças.
- O Globo: Outros ateus convictos, como Richard Dawkins e Christopher Hitchens vêm dedicado seu tempo a uma cruzada anti-religiosa. Como vê esse movimento?
- Saramago: Por mim não faria. É praticamente impossível convencer alguém a virar as costas às suas crenças. Limito-me a escrever o que penso do assunto e deixo aos leitores a inteira liberdade de fazer o que entendam. O único que peço para mim é respeito.
- O Globo: O senhor acredita que ainda é possível a existência de um mundo sem religião? O pessimismo de Caim em relação à Humanidade é também o seu?
- Saramago: Penso que não merecemos a vida, penso que as religiões foram e continuam a ser instrumentos de domínio e morte. Em suma, Caim teve razão em tentar impedir que outra humanidade substituísse a que teria morrido no dilúvio. Afinal, se a primeira era má, esta é péssima..."

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