Brasil atravessou nos últimos vinte anos um vigoroso processo de reterritorialização do poder político, a constituição de 1988 promoveu uma profunda descentralização do poder marcada pela ampliação da margem decisória e dos recursos disponíveis para os municípios. Temos o único país do mundo onde o poder municipal é um ente federado e por isso goza de total autonomia para legislar e deliberar sobre áreas e matérias de sua competência. Apenas a título de exemplo vale lembrar que a lei orgânica municipal é aprovada e promulgada pela Câmara de Vereadores sem que nenhuma outra instância possa interferir neste processo decisório.Considerando o número de municípios do Brasil mais de 5.500 e as gigantescas diversidades locais além das diferentes dimensões de tamanho e população deveríamos esperar que surgissem diferentes modelos de relacionamento entre as esferas locais de poder. No entanto não é isso o que acontece, há na verdade um padrão muito pouco variado de comportamento legislativo em nível local. O que temos é uma hipertrofia do poder Executivo e uma baixa capacidade de intervenção das Câmaras Municipais que via de regra são atores coadjuvantes do processo decisório. Mas isto vale tanto para a Câmara de São Paulo quanto para a Câmara de pequenas cidades do interior.O que impera no Brasil em nível local é um verdadeiro pacto homologatório celebrado entre o poder Legislativo e o Executivo, nesta relação as Câmaras Municipais abrem mão de suas atribuições fiscalizadoras e legislativas em nome da obtenção de favores extra legais oferecidos pelo Executivo. O resultado são prefeitos que dispõem de larga maioria e, em geral, não enfrentam dificuldades para aprovar as matérias de seu interesse. As cidades por sua vez perdem uma instância que poderia atuar no sentido de fiscalizar e cobrar a realização de políticas capazes de melhorar a qualidade de vida da população. Em sua maioria vereadores abdicam de suas funções renunciando ao nome que recebem. A palavra deriva do verbo "verear", que significa verificar, conferir, fiscalizar.Em municípios como Campos onde o poder dos prefeitos é ampliado pelo volume de recursos que a cidade recebe o executivo conta uma capacidade ainda maior para submeter o Legislativo e garantir seus interesses. Para se ter uma idéia vale lembrar que entre 2004 e 2008 todas as matérias de interesse do Executivo foram aprovadas. É a expressão mais evidente do pacto homologatório celebrado entre os dois poderes. Com a renúncia de suas funções o legislativo abre espaço para a que outras esferas de poder realizem a fiscalização e o controle sobre o poder público.Neste contexto a participação da sociedade civil se torna ainda mais necessária, pois não há esfera de poder imune as pressões sociais. Os recentes escândalos políticos que assolaram a cidade e envergonharam os campistas perante o país não foram apurados por instâncias políticas e sim pelo ministério público e pela polícia. Em Campos as páginas de política dos jornais cada vez se parecem mais com páginas policiais.Embora a subserviência do Legislativo seja um traço do arranjo institucional brasileiro este quadro não é uma camisa de força. Há exemplos em várias cidades onde as Câmaras locais realizaram processos que terminaram com a cassação de prefeitos por atos de improbidade administrativa. Somente entre 1997 e 2000 cerca de 41 prefeitos tiveram este destino no interior de São Paulo. A câmara possui os instrumentos para efetuar a fiscalização do executivo e pode ainda contar com a colaboração de outras instâncias de fiscalização. É imperioso que a ações do executivo sejam alvo de amplo debate e controle, a cidade só tem a ganhar. Como afirmava o revolucionário francês Marat em seu livro as Cadeias da escravidão: "Para nos mantermos livres, cumpre-nos ficar incessantemente em guarda contra os que governam: a excessiva tranqüilidade dos povos é sempre o pregoeiro de sua servidão".
Artigo publicado hoje no Jornal Monitor Campista
2 comentários:
É de fundamental importância para Campos, em grave crise de auto-estima, a presença do professor Renato Barreto em nosso incipiente esfera pública. Em seu primeiro artigo para o Monitor Campista, Renato nos faz refletir sobre a dinâmica do poder local, especialmente sobre a captura da Câmara de Vereadores (e da representação proporcional da sociedade) pelo poder executivo municipal. Tal grave diagnóstico só ratifica a diferença decisiva entre governabilidade e governança, tematizados ontem na Iª Conferência de Controle Social realizada no IFFluminense.
Viva os Soviets
falta ele ter coragem, e assumir seu papel na vanguarda revolucionária...
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