segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Mais ameaçadores?

Você já foi a Paris? Esse articulista ainda não teve esta oportunidade. De qualquer forma, imagens de TV ou alguma memória literária sobre a geografia da capital francesa pode sugerir aos leitores a dimensão de um protesto envolvendo 50 mil manifestantes bloqueando o trânsito na Avenida Champs-Elysées, apenas observados de perto por centenas de policiais.
Pois esta cena se materializou na última sexta-feira. Milhares de agricultores franceses encheram de feno uma das principais vias públicas da Cidade Luz e ocuparam com 7 mil tratores o centro daquela cidade. Concentraram-se em frente a um restaurante frequentado pelo Presidente francês portando milhares de cartazes onde se lia Sarkozy! L’Agriculture doit-elle payer ce prix? Eles reivindicam um pacote de vantagens fiscais e auxilio financeiro direto para compensar as perdas de até 15% na receita que tiveram esse ano, devido à boa safra – consequencia direta da esquizofrenia capitalista.
Não foi propriamente uma novidade na Europa, onde há quase uma década Bové já liderou a depredação de uma lanchonete Mac’Donalds. No último dia 05, em frente à União Européia, em Bruxelas, produtores de leite belgas também protestaram contra a queda no preço do produto. A manifestação, apesar de pacífica, promoveu um “banho de leite” nos policiais – sobre os quais também foi lançada palha – e houve até um irreverente bundale-lê.
Todas estas manifestações tiveram uma cobertura discreta, mas respeitosa, por parte do PIG – o Partido da Imprensa Golpista – brasileiro. Não se ouviu contra os agricultores europeus os adjetivos preconceituosos que costumam classificar trabalhadores rurais sem-terra brasileiros. Nem seus atos foram considerados excessos, talvez por se tratarem de fazendeiros, ainda que pequenos proprietários. Há no PIG uma deferência de classe que permite a Alexandre Garcia afirmar que não são relevantes os fortes indícios de grilagem de terras públicas por parte da empresa Cutrale.
Enquanto isso, em Pindorama, a bancada da elite "ruralista" no Congresso, com postura que aparenta nenhuma identidade com os fazendeiros europeus – o que, aliás, é fato – articula uma CPI para criminalizar os movimentos sociais no campo. Com o aplauso do PIG!
Enquanto os pequenos agricultores franceses reivindicam emergencialmente ao governo daquele país 1,4 bilhão de euros (US$ 2,1 bilhões) em ajuda econômica em função dos seus prejuízos, aqui se pretende criar uma CPI para investigar o repasse de cerca de R$ 160 milhões da União a ONGs que atuam na agricultura familiar - supostamente ligadas ao MST - ao longo dos últimos seis anos. A imprensa, a bancada de empresários do agro-negócio e o ex-pefelista que responde pelo Ministério da Agricultura já tem um veredito a priori para o que, dissimuladamente, dizem querer investigar na tal CPI. Os nossos ativistas são mais ameaçadores que os deles?

Adaptação de artigo publicado na edição de hoje da Folha da Manhã.

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