O cientista social gramsciano e professor da Unesp Marco Aurélio Nogueira renova, na entrevista abaixo, os argumentos esgrimidos no importante livro Em Defesa da Política (2001):
- Como o senhor define a ideia de política hoje?
- A ideia tem uma bifurcação: de um lado, a conquista, a conservação e o uso do poder; do outro, a construção de laços de convivência entre as pessoas. Esses dois sentidos têm convivido ao longo do tempo. No mundo moderno, prevalece o conceito de política associado ao poder. Mas ganhamos mais ao entender que nenhuma comunidade pode se estruturar no mundo atual, se não praticar as boas normas da política como construção de espaços coletivos.
- Num momento em que atividade política está tão desacreditada, por que ainda defendê-la?
- Se quisermos trabalhar com esse conceito mais ampliado, defender a política é defender as próprias condições de sobrevivência da sociedade brasileira. Se, por um passe de mágica, eliminarmos a política da nossa existência, não ficaremos apenas livres do Congresso, dos partidos e dos políticos, mas também de tudo o que nos dá condições para interagirmos de maneira organizada. Vale a pena defendê-la porque, quando falamos em Política com P, estamos falando também de honestidade e lisura. Defender a política contra eventuais atos de corrupção é defender a recuperação dessa dimensão da idoneidade, que permanece extremamente importante.
- Apesar de todo o otimismo, o senhor mesmo reconhece que “o quadro geral é de descrença e de desilusão”. No caso concreto brasileiro, quais são as consequências imediatas que o senhor observa a partir da crise, em termos de interesse e participação popular?
- A principal consequência é o aumento da desilusão. Os maus exemplos dos políticos funcionam como uma dose adicional de jato frio nos cidadãos que já não estão muito empenhados na atividade política. No Brasil e no mundo, vemos um retrocesso das pessoas em termos de engajamento político. O cidadão típico do século XXI não é mais o cidadão disposto a sacrificar uma parte de seu tempo para defender causas de interesse comum. Os jovens, por exemplo, estão muito afastados da política prática, não só em termos de engajamento como de interesse pelos fatos políticos, ainda que possam ter preocupações sociais.
- O senhor afirma que o mundo atual fez da política “uma espécie de grife”, e que “ser contra os políticos é hoje um esporte mundial”. Por quê?
- Por onde andamos no Brasil, ouvimos as pessoas falarem mal da política e dos políticos. Ser contra os políticos virou indicador de modernidade, como se todos eles fossem sinônimos de atraso, e a própria política fosse inconveniente para a modernização da sociedade. Na verdade, vislumbramos um processo de muita afirmação da economia de mercado e do trabalho produtivo contra a política.
- Um exercício de imaginação: como seria a sociedade se não houvesse mais a política?
- Seria o que Thomas Hobbes (filósofo inglês do século XVII) chamou de “estado de natureza”. Uma sociedade sem regras e padrões de vida civilizada, na qual prevaleceria a lei do mais forte, de cada um por si e de ninguém por ninguém.
Fonte: A Gazeta (Espírito Santo) & Gramsci e o Brasil, Outubro de 2009.
domingo, 25 de outubro de 2009
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3 comentários:
O Marco Aurelio e grande cara. Assim como outros companheiros seus do pensamento "gramisciano" de Sao Paulo. Mas eu tenho uma pequena critica ao diagnostico dele. A drescrenca na politica e a necessidade de lutar contra isso e o que ta mesmo na ordem do dia. A luta pela hegemonia passa inevitavelemente por este caminho. O problema que eu vejo e que 1) o Marco Aurelio acaba caindo no terreno moralista de que uma das maiores causas da descrenca na politica e a ma qualidade (sobretudo moral) da maioria dos politicos. Sera? Nao seria isto uma construcao da midia e do senso comum que deseja desacreditar a politica? Acho um grande problema e justamente mostrar e tentar descontruir esta construcao. Outra coisa, que tem a ver com isto, e que Marco Aurelio parece falar, sem se dar conta disto, da perspectiva do jovem engajado de classe media, o qual ele ve corretamente em extincao. Nada contra falar desta perspectiva, mas e preciso refletir sobre isto. Para esta juventude a questao da lisura, e da politica como o espaco onde se podia provar que e possivel e desejavel agir com correcao moral, foi e segundo o Marco continua sendo o ponto de referencia (ausente) de uma "boa politica".
Mas eu acho que podemos e devemos querer mais. Resgatar a politica da perspectiva de uma juventude emergente, que experimenta os avancos da politica recente sem se envolver com ela. Uma juventude que talvez esteja so agora vendo diante de si a possibilidade de interessar por algo alem da propria luta pela sobrevivencia e da competicao economica.
Caro Roberto Torres, tendo a concordar contigo. Contudo, cada vez mais estou convencido de que para pensarmos a política como processo de ampliação da "liberdade positiva" e fortalecimento da sociedade civil, devemos efetuar um choque de democracia participativa contra a hegemonia infra-campo político dos profissionais da política (Bourdieu). São esses profissionais que não só monopolízam os recursos reais mas amesquinham o potencial transformador da política capturando o centro polítco pela luta nua e crua pelo poder e sua lógica monopolista. Realmente, apesar de importante, o posicionamento do Marco Aurélio parece por demais defensivista.
Abraço
Concordo Gustavo. O desafio e como tornar isto atraente, como fazer com que, por exemplo, o fervor proselito de grupos evangelicos, esta disposicao para "mexer com as coisa da rua", possa ser canalizado parar este choque, como criar uma forma politica para esta energia usada com tanto afinco em "mutiroes" para reconstruir a vida privada dos envolvidos e desperdicada com a "ma politica" de lideres religiosos nem um pouco interessados em enfraquecer a politica profissional.
um abraco
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