Na semana passada escrevemos sobre pacto homologatório celebrado entre as Câmaras Municipais e os Executivos locais no Brasil, afirmamos que os prefeitos de grandes e pequenas cidades desfrutam de ampla maioria nos legislativos, muitas vezes obtidas por meio de favores extra legais. O custo deste arranjo é alto na medida em que reduz a capacidade de controle e fiscalização sobre os gastos públicos e constrange uma arena que poderia dar uma maior contribuição no sentido ampliar os espaços de participação cidadã.
O que de fato é intrigante nesse diagnóstico é constância do fenômeno que possui baixa variância mesmo quando comparamos municípios que são muito diferentes. Como explicar este quadro? Que fatores devem ser mobilizados para entendermos um traço central do processo decisório em nível local?
Para muitos as razões se concentram nas deficiências do sistema político brasileiro. Esta chave explicativa via de regra aponta para fragilidade das instituições democráticas e para as heranças patrimonialistas e clientelistas que sobrevivem em meio ao processo de modernização do país. Não raro surgem acusações bastante veementes ao caráter da “classe política” vista como uma espécie de camarilha de salteadores que sempre estão conspirando contra as virtudes cívicas e republicanas.
A demonização dos atores políticos não pode ser um bom caminho para explicar um fenômeno tão complexo. É muito pouco razoável pensar que em todo o Brasil não existam diferenças expressivas entre os vereadores de mais de 5.564 cidades. Acreditamos que três fatores devem ser articulados no sentido de lançar alguma luz sobre o tema: desenho institucional, estímulos do sistema eleitoral e contexto social.
Um exame breve dos contornos jurídicos-institucionais que regem o relacionamento entre Executivo e Legislativo evidencia a força do Executivo, um poder dotado de grande margem decisória. Nossa legislação reserva ao prefeito um arsenal de dispositivos capazes de fazer dele o principal legislador e de se colocar em posição vantajosa para negociar com a Câmara. Logo, o fato de prefeitos não terem grande dificuldade de aprovar matérias de seu interesse é um efeito esperado do desenho institucional Brasileiro e não prova do abastardamento do poder legislativo.
Em segundo lugar é preciso lembrar que a ação dos parlamentares locais se realiza em um ambiente regulado por leis eleitorais que estimulam um comportamento individualista. Voto proporcional, com lista aberta e grande número de partidos estimulam uma estratégia personalista que não se restringe a arena eleitoral e contaminam o ambiente legislativo desestimulando as ações de cooperação e articulação entre vereadores fundamentais para formação de blocos programáticos.
Terceiro, a sociedade brasileira ainda apresenta graves desigualdades sociais apesar dos grandes avanços ocorridos nos últimos quinze anos. Somados a este quadro, temos uma sociedade com uma limitada capacidade de organização e por conseqüência um grande número de pleitos privados que não são coletivamente processados e buscam abrigo no poder público. Este por sua vez, tem no Vereador o seu mais acessível representante que acaba recebendo um grande número de demandas particulares. Expressivos setores do eleitorado vêem o vereador como uma espécie de mediador entre o executivo e a população, muitos vereadores só conhecem esta perspectiva e direcionam acriticamente seus mandatos para atender as expectativas particularistas de seus eleitores.
Por fim é necessário afirmar que reconhecer constrangimentos impostos pelo arranjo político-institucional, pelo sistema eleitoral e pelo contexto social não significa legitimar ou naturalizar atitudes adesistas. Em ultima instância são os vereadores que escolhem individualmente as estratégias dos seus mandatos e devem ser responsabilizados pelas escolhas que fazem. A legislatura (2004-2008) em Campos deve servir de exemplo do alto custo político do adesismo acrítico, um poder legislativo conivente e omisso que se tornou co-autor do Executivo. Como afirmou o poeta cubano José Martí, “Ver um crime com calma. É cometê-lo.”
Artigo publicado no Jornal Monitor Campista quarta feira, 01 de julho.
3 comentários:
Excelente artigo, expõe aspectos fundamentais do atrelamento do legislativo (não apenas local) ao executivo. Somente agregaria como fator igualmente de primeira ordem para a reprodução deste fenômeno o caráter privado do financiamento das campanhas eleitorais e dos compromissos criados por ele. Um abraço!
Interessante o trecho:"Em última instância são os vereadores que escolhem individualmente as estratégias dos seus mandatos e devem ser responsabilizados pelas escolhas que fazem".
Isso lembra a omissão do vereador do PT Renato Barbosa(ele não fala nada sobre as verbas destinadas às empresas de ônibus); Xacal já provou, Roberto Moraes confirmou: as contas não batem...
Renato: Significa renascido.
O vereador Renato Barbosa foi secretário municipal de Petróleo e Bioenergia do governo Mocaiber.
Lembro mais uma vez que o Vereador Renato Barbosa (PT) fez aprovar requerimento de informações exigindo do executivo informações sobre os repasses às empresas concessionárias do transporte público no município.
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