AO DEUS KOM UNIK ASSÃO
(Carlos Drumond de Andrade)
EIS-ME prostrado a vossos peses
que sendo tantos todo plural é pouco.
Deglutindo gratamente vossas fezes
vai-se tornando são quem era louco.
Nem precisa cabeça pois a boca
nasce diretamente do pescoço
e em vosso esplendor de auriquilate
faz sol o que era osso.
Genucircunflexado vos adouro
VOS arnouro, a vós sonouro
deus da buzina & da morfina
que me esvaziais enchendo-me de flato
e flauta e fanopéia e fone e feno.
Vossa pá lavra o chão de minha carne
e planta beterrabos balouçantes
de intenso cameiral belibalentes
em que disperso espremo e desexprimo
o que em mim aspirava a ser eumano.
Salve, deus compacto
cinturão da Terra
calça circular
unissex, rex
do lugarfalar
comum.
Salve, meio-fim
de finrinfinfim
plurimelodia
distriburrida no planeta.
Nossa goela sempre sempre sempre escãocarada
engole elefantes
engole catástrofes
tão naturalmente como se.
E PEDE MAIS.
A carne pisoteada de cavalos reclama
pisaduras mais.
A vontade sem vontade encrespa-se exige
contravontades mais.
E se consome no consumo.
Senhor dos lares
e lupanares
Senhor dos projetos
e do pré-alfabeto
Senhor do ópio
e do cor-no-copo
Senhor! Senhor!
De nosso poema fazei uma dor
que nos irmane, Manaus e Birmânia
pavão e Pavone
pavio e povo
pangaré e Pan
e Ré Dó Mi Fá Sol-
apante salmoura
n' alma, cação podrido.
Tão naturalmente como se
como ni
ou niente.
(...)
E quando não restar
o mínimo ponto
a ser detectado
a ser invadido
a ser consumido
e todos os seres
se atornizarem na supermensagem
do supervácuo
e todas as coisas
se apagarem no circuito global
e o Meio
deixar de ser Fim e chegar ao fim,
Senhor! Senhor!
quem vos salvará
de vossa própria, de vossa terrííil
estremendona
inkomunikhassão?
3 comentários:
Veríssimo costuma postar de vez em quando poesias e indagar:"Poesia numa hora dessas?"É de se responder:_ E por que não?
A poesia liberta, denuncia, ameniza e nos leva à reflexão!
Caro jurisconsulto Don Kbça, metafísica se paga com metafísica:
ANGÚSTIA
Será possível que Ela me faça perdoar as ambições continuamente esmagadas,
— que um final feliz compense os anos de indigência, — que um dia de
sucesso nos adormeça sobre o vexame de nossa fatal incompetência.
(Ó aplausos! diamante! — Amor! força! — maiores do que glórias e alegrias!
— de qualquer jeito, por toda parte, — demônio, deus — Juventude deste ser;
eu!)
Que os acidentes de feitiços científicos e os movimentos de fraternidade social
sejam queridos como a restituição progressiva da sinceridade primeira?...
Mas a Vampira que nos faz gentis nos manda divertir com o que ela deixa, ou
então que fiquemos mais malandros.
Rolar até ferir, pelo ar e pelo mar exaustos; até os suplícios, pelo silêncio do ar
e das águas mortais; até as torturas de riso, em meu silêncio atrozmente
murmurante.
Jean Arthur Rimbaud
Livro: Iluminações
Embora a nota tenha sido postada por outrem, toma a liberdade de endereçar este comentário ao Fábio, que assina o blog e a quem conheço. Antes de mais nada, esclareço que, por motivo de forte gripe, somado a uma viagem de trabalho, estive sem acessar internet desde a última terça. Antes tarde do que nunca, hoje ressalvo que embora ache Drummond o poeta mais sobre-valorizado do Brasil (léguas aquém de um Cabral), o poema não é ruim, sobretudo pelo fim que pretende aqueles que o postaram e replicaram. Não por outro motivo, em nome de Aluysio Cardoso Barbosa, titular do Ponto Final, com a qual eu eventualmente colaboro, mais o Aloysio Balbi, encerremos este comentário tardio com o pai de todos (os versos):
“Não te expressaste com senso, assemelhas-te a homem protervo.
Bem se depreende que os deuses não cedem a todos os homens
dons primorosos, ou seja na forma, no engenho, ou eloqüência.
Este, na forma exterior, pode ser de aparência somenos,
mas recompensam-no os deuses com o dom da palavra, os que o vêem
sentem prazer indizível, pois ele, com gesto seguro,
sempre se expressa modesto e se exalta da turba indistinta.
Se pelas ruas passeia, honrarias divinas recolhe.
Aos imortais outros são, na aparência exterior, semelhantes,
mas são privados seus ditos de graça, que os torna aceitáveis,
tal como tu; na aparência sem mácula; doutra maneira
nem mesmo em deus te gerara; mas frívolo tens o intelecto.
Eis que fizeste abalar-me no peito com teus ditos fúteis
o coração; inexperto não sou, como inculcas maligno,
em nenhum jogo. Ufanava-me, é certo, de ser dos primeiros,
quando confiava no viço da idade e na força do braço.
Hoje, os trabalhos e as dores me abatem, que muito hei sofrido,
tanto nas lutas dos homens, bem como nas ondas penosas.
Seja, porém! Apesar do sofrer que refiro, desejo
Exp’rimentar-me; tua fala mordaz conseguiu decidir-me”
(Homero, em “Odisséia”, Canto VIII, 166 a 185, tradução de Carlos Alberto Nunes)
Abraços!
Aluysio Abreu Barbosa
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