quarta-feira, 13 de maio de 2009

Poesia no Blog

AO DEUS KOM UNIK ASSÃO
(Carlos Drumond de Andrade)

EIS-ME prostrado a vossos peses 
que sendo  tantos todo plural é pouco.
Deglutindo gratamente vossas fezes 
vai-se tornando são quem era louco. 
Nem precisa cabeça pois a boca 
nasce diretamente do pescoço 
e em vosso esplendor de auriquilate 
faz sol o que era osso. 

Genucircunflexado  vos adouro 
VOS  arnouro, a vós sonouro 
deus da buzina & da morfina 
que me esvaziais enchendo-me de flato 
e flauta e fanopéia e fone e feno. 
Vossa pá  lavra o chão de minha carne 
e planta beterrabos balouçantes 
de intenso cameiral belibalentes 
em que disperso espremo e desexprimo 
o que em mim aspirava a ser eumano. 

Salve, deus compacto 
cinturão da Terra 
calça circular 
unissex, rex 
do lugarfalar 
comum. 

Salve, meio-fim 
de finrinfinfim 
plurimelodia 
distriburrida no planeta. 

Nossa goela sempre sempre sempre escãocarada 
engole elefantes 
engole catástrofes 
tão naturalmente como se. 
E PEDE MAIS. 

A carne pisoteada de cavalos reclama 
pisaduras mais. 
A vontade sem vontade encrespa-se exige 
contravontades mais. 
E se consome no consumo. 

Senhor dos lares 
e lupanares 
Senhor dos projetos 
e do pré-alfabeto 
Senhor do ópio 
e do cor-no-copo 
Senhor! Senhor! 
De nosso poema fazei uma dor 
que nos irmane, Manaus e Birmânia 
pavão e Pavone 
pavio e povo 
pangaré e Pan 
e Ré Dó Mi Fá Sol- 
apante salmoura 
n' alma, cação podrido. 
Tão naturalmente como se 
como ni 
ou niente. 

(...)

E quando não restar 
o mínimo ponto 
a ser detectado 
a ser invadido 
a ser consumido 
e todos os seres 
se atornizarem na supermensagem 
do supervácuo 
e todas as coisas 
se apagarem no circuito global 
e o Meio 
deixar de ser Fim e chegar ao fim, 
Senhor! Senhor! 
quem vos salvará 
de vossa própria, de vossa terrííil 
estremendona 
inkomunikhassão? 

3 comentários:

Anônimo disse...

Veríssimo costuma postar de vez em quando poesias e indagar:"Poesia numa hora dessas?"É de se responder:_ E por que não?
A poesia liberta, denuncia, ameniza e nos leva à reflexão!

Raskolnikov disse...

Caro jurisconsulto Don Kbça, metafísica se paga com metafísica:


ANGÚSTIA

Será possível que Ela me faça perdoar as ambições continuamente esmagadas,
— que um final feliz compense os anos de indigência, — que um dia de
sucesso nos adormeça sobre o vexame de nossa fatal incompetência.
(Ó aplausos! diamante! — Amor! força! — maiores do que glórias e alegrias!
— de qualquer jeito, por toda parte, — demônio, deus — Juventude deste ser;
eu!)
Que os acidentes de feitiços científicos e os movimentos de fraternidade social
sejam queridos como a restituição progressiva da sinceridade primeira?...
Mas a Vampira que nos faz gentis nos manda divertir com o que ela deixa, ou
então que fiquemos mais malandros.
Rolar até ferir, pelo ar e pelo mar exaustos; até os suplícios, pelo silêncio do ar
e das águas mortais; até as torturas de riso, em meu silêncio atrozmente
murmurante.


Jean Arthur Rimbaud
Livro: Iluminações

Aluysio disse...

Embora a nota tenha sido postada por outrem, toma a liberdade de endereçar este comentário ao Fábio, que assina o blog e a quem conheço. Antes de mais nada, esclareço que, por motivo de forte gripe, somado a uma viagem de trabalho, estive sem acessar internet desde a última terça. Antes tarde do que nunca, hoje ressalvo que embora ache Drummond o poeta mais sobre-valorizado do Brasil (léguas aquém de um Cabral), o poema não é ruim, sobretudo pelo fim que pretende aqueles que o postaram e replicaram. Não por outro motivo, em nome de Aluysio Cardoso Barbosa, titular do Ponto Final, com a qual eu eventualmente colaboro, mais o Aloysio Balbi, encerremos este comentário tardio com o pai de todos (os versos):

“Não te expressaste com senso, assemelhas-te a homem protervo.
Bem se depreende que os deuses não cedem a todos os homens
dons primorosos, ou seja na forma, no engenho, ou eloqüência.
Este, na forma exterior, pode ser de aparência somenos,
mas recompensam-no os deuses com o dom da palavra, os que o vêem
sentem prazer indizível, pois ele, com gesto seguro,
sempre se expressa modesto e se exalta da turba indistinta.
Se pelas ruas passeia, honrarias divinas recolhe.
Aos imortais outros são, na aparência exterior, semelhantes,
mas são privados seus ditos de graça, que os torna aceitáveis,
tal como tu; na aparência sem mácula; doutra maneira
nem mesmo em deus te gerara; mas frívolo tens o intelecto.
Eis que fizeste abalar-me no peito com teus ditos fúteis
o coração; inexperto não sou, como inculcas maligno,
em nenhum jogo. Ufanava-me, é certo, de ser dos primeiros,
quando confiava no viço da idade e na força do braço.
Hoje, os trabalhos e as dores me abatem, que muito hei sofrido,
tanto nas lutas dos homens, bem como nas ondas penosas.
Seja, porém! Apesar do sofrer que refiro, desejo
Exp’rimentar-me; tua fala mordaz conseguiu decidir-me”

(Homero, em “Odisséia”, Canto VIII, 166 a 185, tradução de Carlos Alberto Nunes)

Abraços!

Aluysio Abreu Barbosa